sexta-feira, 3 de outubro de 2014

HERMENÊUTICA E ARGUMENTAÇÃO, Uma contribuição ao Estudo do Direito. Margarida Maria Lacombe Camargo. Ed. Renovar, Rio de Janeiro – São Paulo, 2003. 3ª edição, revista e atualizada.
Resumo do Capítulo 2, p.61/134 – O PENSAMENTO JUSFILOSÓFICO MODERNO: DA EXEGESE À JURISPRUDÊNCIA DOS VALORES: Por Glauco Copeck dos Santos – Acadêmico do Curso Bacharelado em Ciências Jurídicas – Faculdade Nobre de Feira de Santana /BA. 3º Semestre: Disciplina Hermenêutica Jurídica.

Pensaram e escreveram sobre o direito no século XIX. Na figura almejada de um legislador racional, criador de uma nova ordem, a despeito dos costumes e da tradição. Thomas Hobbes centraliza no Soberano todas as expectativas de segurança para a sociedade inglesa do século XVII. Soberano absoluto composto pelas pessoas, seus corpos e mentes, como delegado inerente de suas vontades. Estado se identifica numa mesma e única estrutura de poder. Seguido mais de perto por Montesquieu e os Fouding Fathers americanos. Como regra garante a igualdade (formal) entre os homens. A manutenção da ordem fundada na liberdade individual. A norma justa era aquela feita pelo povo, ainda que por meio de representantes eleitos, e que cabia ser aplicada sem intermediações.

2.1. A ESCOLA DA EXEGESE
Ênfase do racionalismo surge na França, em 1804, o Código Civil Francês, mais conhecido como o Código de Napoleão. A criação de um corpo sistemático de normas capaz de uniformizar o direito, suprimindo a obscuridade, ambiguidade. Formas espontâneas de expressão cultural – como movimento doutrinário proveniente dos grandes comentaristas do novo código, surge a Escola da Exegese. A atividade dos juízes, na França, então comprometidos com o Antigo Regime, seria controlada pelo atendimento severo e restrito aos termos da lei. Por intermédio da estrutura gramatical, e pelo conteúdo dos termos técnicos, encontrar-se-ia a vontade do legislador reconhecida como a máxima expressão da vontade geral que encarna o poder. Não há mais incertezas; o direito está escrito nos textos autênticos. Em nenhum momento o juiz deve colocar sua índole à mercê da interpretação da lei de forma a desfigurar a verdadeira “vontade do legislador”. Daí a célebre frase de Bugnet: “Eu não conheço o direito civil; eu ensino somente o Código de Napoleão.” Julien Bonnecase, autor do livro L’Ecole de L’Exegése em Droit Civil, divide em três os períodos desse movimento: primeiro, o período de formação, que data de 1804 a 1830; em seguida, o seu apogeu – 1830 a 1880; o declínio, verificado por volta de 1880. A doutrina da Escola da Exegese se reduz, com efeito a proclamar a onipotência jurídica do legislador, isto é, do Estado. A escola da exegese firmou a base teórica do racionalismo jurídico ocidental, a partir do Código de Napoleão.

2.2 A CRÍTICA DE FRANÇOIS GÉNY
O artigo 4º do Código Civil francês, ao determinar sobre a obrigação do juiz de julgar diante do silêncio, da insuficiência ou da obscuridade da lei, encontramos a crítica de François Gény. Que faz sua defesa pela livre investigação científica. A resposta para o problema no sistema, o aplicador da lei poderia, por meio da atividade científica, encontrar a solução jurídica para o caso fora do âmbito restrito da lei positiva. Teoria das lacunas – certeza das relações humanas, considerando-as produto da razão natural. O dado racional, segundo ele, é aquele constituído por regras de conduta que a razão faz derivar da natureza do homem e do seu contato com o mundo: seria o direito em estado bruto. Os dados ideais. Segundo Gény: esforço científico, uma espécie de direito comum, geral por sua natureza, subsidiário por seu ofício, que supre as lacunas das fontes formais e dirige todo o movimento da vida jurídica. Cientificismo de base sociológica, apresentado por Gény, conforma-se com o espírito positivista vigorante então na França, terra de Augusto Comte.

2.3. A ESCOLA HISTÓRICA DO DIREITO
A Filosofia do Direito, na Alemanha, tem outras bases. A filosofia historicista correspondia na prática a uma atitude espiritual que recobria todos os campos da atividade humana. Na verdade o historicismo - movimento de reação cultural contra a filosofia das luzes. O predomínio da razão e seus poderes conferidos pelo Iluminismo, bem como a força das deduções abstratas que daí advém o historicismo ceder lugar às verdades oriundas de manifestações espontâneas e concretizadas sobre a realidade. O século XIX experimentou para o romantismo, a imaginação e o sentimento, a emoção e a sensibilidade, vem substituir a razão como centro de tudo. Modificar a ordem natural das coisas, negando com isso o passado. O romantismo valoriza a individualidade no que se refere aos sentimentos, crenças, paixões e manifestações espontâneas de toda a ordem, vinculadas à tradição. Diferentemente das abstrações intelectualistas da filosofia das luzes, o desenvolvimento e a formação da sociedade não aparecem tanto para o historicismo como para o romantismo como obra da razão, mas como produto espontâneo de forças irracionais que poderiam ser identificadas com uma racionalidade mais profunda, no sentido de ser concreta e real. Com valores de ordem universal, passando a ser reconhecido como aquele que se realiza através da história, conforme a criação espontânea de cada povo. Produto desse ambiente cultural, século XIX, Escola Histórica do Direito, metódica para o Direito que não o jusnaturalismo do século XVII e primeira metade do século XVIII. Jurídico-filosófico, instituições históricas formadas pelo costume. A Alemanha foi um dos países da Europa ocidental que mais retardou a obtenção de um Código Civil, fragmentação político-territorial. Chamados de pandectistas interpretar as antigas leis romanas herdadas ao Ocidente pelo Código de Justiniano, o Corpus Iuris Civilis. Usus modernus Pandectarum, procurava-se estabelecer uma consonância entrei a lei romana e os costumes locais de origem germânica, buscando naquelas instituições jurídicas ainda existentes. Isso gerou para a ciência do direito uma confusão de conceitos e uma assistematicidade nos seus estudos. Foi o caso de Thibaut , cuja posição gerou disputa celebre com Savigny, nos idos de 1814. Thibaut era a favor da criação de um código e Savigny contra. Sistemática e positivamente seu estudo científico, realidade histórica, a razão que torna clara e precisa. Savigny nos sentido de que a melhor forma para se “juntar”, vê o direito codificado como expressão do despotismo, proveniente e imposto pela razão, estranha aos costumes. Opõe-se com veemência às teses jurídicas da filosofia das luzes, teoria do direito natural, imutável e universal – deduzido da razão. Cada povo tem o seu próprio direito, fundado em elementos culturais como a língua, os costumes e a religião. Como as teorias organicistas, o direito também não se apresenta como algo imutável, se desenvolve com o povo: nasce, cresce, e morre quando perde a sua personalidade. O legislador pode exprimir ou integrar, não criar arbitrariamente. Savigny propõe, em lugar da codificação, a elaboração científica do direito de base histórica – o instrumento apropriado não seria o código, mas a ciência jurídica. A idéia de sistema proveniente do jusnaturalismo e do racionalismo anteriores aliou-se também ao romantismo alemão, originando as chamadas “ciências do espírito”. Juristas formulando e reformulando antigos conceitos jurídicos. Para a busca de um método de interpretação que dê conta de desta nova racionalidade. Segundo Savigny o Direito não deveria ser visto como meras normas formuladas e positivadas. Trata-se do celebre conceito de Volksgeist – pura obra intelectual ou fruto do arbítrio, regulação da convivência humana. Consciência jurídica unificadora e inata, verdadeira fonte do Direito e do Estado. O pensamento de Savigny é que, ao invés de um direito espontâneo, verificado naturalmente nas ações sociais, o que vale, ao final, é o que a doutrina científica elabora. O pensamento elaborado pelos juristas e professores, nas universidades, provocará o surgimento de um novo racionalismo ou intelectualismo jurídico tão anti-histórico como o direito natural, mas que move em plano diferente, o da lógica  eda dogmática jurídica. A doutrina determina porganhar posição superior à praxis, conforme anota Legaz y Lacambra. Tercio Sampaio Feraz junior : A organicidade [proposta pela Escola Histórica] não se refere a uma contigência real dos fenomenos sociais, mas no carater complexo e produtivo do pensamento conceitual da ciência jurídica elaborada pelos juristas desde o passado. O “espírito do povo” acaba por merecer o esforço de interpretação dos intelectuais das universidades. A organicidade dos conceitos, cujo poder de abstração permitirá a subsunção dos fatos concretos, dará origem à  ciência do direito. “piramide dos conceitos” criada por Puchta, sob regras da genealógicas de conceitos mais gerais e abstratos deduzem-se outros mais específicos. Método de interpretação histórico-evolutivo, “vontade do legislador”. Caberá ao interprete colocar-se no lugar do legislador, fruir em si o espírito do povo. Ensina Savigny, correspondem ao elemento gramatical, lógico, histórico e sistemático do direito. Como uma questão de ordem técnica, o importante era mostrar aquilo que a lei dizia. Mas, após 1814, percebe-se que suas concepções hermenêuticas tomam outro rumo, refere-se a uma teoria da interpretação, o problema do critério metódico da interpretação verdadeira. A ideia de que seria a convicção do povo o elemento primordial para a interpretação das normas.

2.4 O FORMALISMO JURÍDICO NA ALEMANHA
Da Escola Histórica possuía lastro na atividade dos pandectistas, um direito científico pra reelaborarem as antigas instituições do direito romano mediante a extração de conceitos, poder de abstração permitia serem aplicados em diferentes épocas e lugares. O método lógico-sistemático, o direito como uma totalidade fechada em si mesma. O cientificismo propugnado por Savigny resultará numa ideia de direito de cunho racional-universal que ultrapassa fronteiras físicas e geográficas, as teorias de Puchta e de Jhering. Espírito do Direito Romano, Jhering afirma que a ciência do direito é universal, e que os juristas de todos os países e de todas as épocas falam a mesma língua. Mediante operação lógico-indutiva e lógico-dedutiva: por indução chega-se aos princípios, para depois, por dedução, descer às suas ramificações múltiplas. Jurisprudências dos Conceitos, o papel da ciência jurídica é o de verificar como suas proposições encontram-se reciprocamente condicionadas, por meio de um processo de derivação que remota à genealogia de cada uma. Parte superior da figura de uma pirâmide capaz de conter e dar origem a outros conceitos de menor alcance, numa união total, perfeita e acabada, que o direito alcançou o seu maior grau de abstração e autonomia como campo de conhecimento. Alto grau de racionalidade deu origem ao “dogma da subsunção” o direito como o fruto de um desdobramento lógico-dedutivo entre premissas capazes de gerar por si sós uma conclusão que servisse de juízo concreto para cada decisão. Como o da livre Interpretação do Direito. Tarefa dos juristas na Alemanha que levou a formação da ciência jurídica no sentido de uma teoria autônoma do direito vigente. “espírito do povo” defendido pelos historicistas, indeterminado e quase mitológico, apriorística. Guido Fassò – o positivismo jurídico se afirmou no século XIX pela via do historicismo.

2.5 POSITIVISMO JURÍDICO
O formalismo jurídico encontra respaldo no naturalismo típico da filosofia das luzes e na filosofia positivista. “ciências naturais” mediante a adoção do método empírico, enquanto a filosofia positivista privilegiava os fatos sociais. Investigação empirista, Guido Fassò acredita que o positivismo correspondia mais a um modo de pensar do que a uma doutrina específica; negava qualquer metafísica. Enquanto filosofia, o positivismo não busca um conhecimento universal ou absoluto, mas um conhecimento “geral”. Ciência positiva da sociedade vista como única capaz de abranger toda a gama de fenômenos, fundamentando-se, exclusivamente, na observação dos fatos, fora de toda ideologia metafísica. Fassò interpreta que, para o direito, isso significará a busca de um elo de conexão entre os fatos sociais e o direito, independentemente de quaisquer valores de ordem moral. Para o mesmo autor, a mais autêntica aplicação do método positivista no campo do direito deu-se com a pesquisa histórica – Escola Histórica do Direito na Alemanha. Apesar de os partidários da filosofia positivista, como Augusto Comte, não terem demonstrado nenhum interesse especial pelo direito, os juristas passaram a se perguntar se a jurisprudência era ou não uma ciência, sob a influência do positivismo não faltou a criação de um método próprio para o direito, de caráter objetivo, cujo conhecimento fosse possível mediante a manipulação de leis próprias ao seu objetivo. Verifica-se entre os fatos observados os “tempos positivistas”. Do século XIX, o direito consegue firmar-se como ciência nos moldes positivistas. Apenas com a genialidade de Hans Kelsen, no início do século seguinte, teremos uma ciência do direito de impressão francamente positivista. O positivismo jurídico não seguiu a tendência sociológica apontada por Augusto Comte. Firmou-se muito mais sobre as bases do formalismo, teoria objetiva do direito importava mais o conjunto de normas postas pelo Estado. Através de suas autoridades do que realidade social propriamente dita, a vontade do Estado soberano prevalece, assim sobre a vontade difusa da nação. O direito positivo passa a reconhecer-se no ordenamento jurídico posto e garantido pelo estado. Atualmente define-se direito positivo como contraponto do direito natural. O direito natural é o que conhecemos através da razão. Assim, bom é aquilo que o Estado prescreve como conduta obrigatória. Enquanto o direito natural é bom ou mau em si mesmo, independentemente da vontade do legislador. Kelsen não admitirá a criação do direito por meio da elaboração de conceitos jurídicos, limitando-se ao se encontra prescrito em lei. A dogmática jurídica acabará por ensejar a elaboração de conceitos gerais, que formulem e circunscreva o campo de atuação do direito.  Teoria Geral do Direito, cuja base formal segue a Jurisprudência dos Costumes.

2.6 A CRÍTICA DE JHERING AO FORMALISMO JURÍDICO ALEMANHÃO
Europa de Finais do Século XIX, a evolução social, científica e tecnologia. Verificada em alguns casos dos seus países gerou novas demandas e complexas relações socioeconômicas. Reação ao positivismo jurídico-formalista. Rudolf Von Jhering, um dos principais teóricos da Jurisprudência dos Conceitos – método lógico-dedutivo e ao formalismo jurídico, pelo seu alto grau de abstração. No livro A luta pelo direito, como resultado de ideias que defendia, mostra o direito como uma vivência que deve ser assumida tanto pela parte de quem o aplica, o Estado, quanto por quem o postula na qualidade de interessado. O direito é na realidade uma luta, esforço animado pelo espírito prático que subjaz à sua própria realização. Antes a promoção do estado de espírito em que este há de buscar sua energia vital, e que é o que conduz à atuação firme e corajosa do sentimento de justiça. O direito em movimento, Jhering é a luta concreta, posto o objetivo mais o subjetivo. A ideia da direito como práxis, a finalidade, razão de um fim, são sinônimos. Em lugar de conceitos obtidos de normas e instituições jurídicas, por força lógicas. Para a Jurisprudência dos interesses, Jhering repudia o positivismo jurídico, apreciação dos fenômenos naturais com os sociais. Método realista ou teleológico, formalismo exegético.

2.7 A JURISPRUDÊNCIA DOS INTERESSES
A Jurisprudência dos interesses procura suplantar a lógica formal pelo estudo e pela avaliação da vida, ou seja, pela pragmática. De Jhering, Heck incorpora não só a ideia de direito como prática, analisando-o como “função judicial” mas também a ideia de fim como interesse. O direito não é criado por conceitos, mas por fins e valores cuja realização se persegue. Heck atribui a esses fins a qualidade de comandos jurídicos, com base na necessidade ou no interesse. A atividade do juiz estaria direcionada para a composição dos interesses das partes em conflito. A Jurisprudência dos Interesses nega-se ao confiar ao juiz a mera função do conhecimento e subsunção entre a lei e o fato, propugnando a adequação da decisão às necessidades práticas da vida, mediante os interesses em pauta. As leis apresentam-se como resultante dos interesses materiais, nacionais, religiosos e éticos, em luta pelo predomínio de uns sobre os outros. A atividade do juiz é criadora, à proporção que procura conjugar os interesses postos na lei, pelo legislador. A lei é chamada a ser aplicada, ao que se soma o conteúdo emocional do juiz com o seu sentimento de justiça.  Heck chama sua teoria da interpretação de “teoria histórico-objetiva”. Recupera a “jurisprudência pragmática” de Jhering, os meios oferecidos pela sociologia, as técnicas sociológicas investiriam em duas direções: a primeira, verificando os interesses protegidos na lei. O direito, para ele, significa então tutela de interesses: tanto interesses de ordem geral, protegidos pela lei, quanto individuais, protegidos pela sentença (norma individual).  Sob a influência do positivismo filosófico, a interpretação da lei é, sobretudo “explicitação de causas”. Notamos que esse procedimento faz-se por meio de um processo de valoração, que ensejará um novo aproach filosófico-doutrinário. A Crítica dos neo-hegelianos (dentre os quais Larenz) deu-se em primeiro lugar, com relação ao substrato filosófico positivista que reconhecia apenas uma realidade empírico-sociológica. Por outro lado, ao desconsiderar a orientação científico-espiritual voltada para o “espírito objetivo” – a Jurisprudência dos Interesses fazia revigorar o positivismo, que circunscrevia a decisão do juiz ao estrito conteúdo da lei. Outra crítica refere-se à ideologia liberal individualista da Jurisprudência dos Interesses. Dando ensejo à futura jurisprudência da valoração. O juiz está subordinado à lei, a comunidade jurídica organizada em Estado é soberana e autônoma, não só externamente, mas também internamente, nas suas relações com os tribunais. É o resultado dum princípio constitucional, dum juízo de valor geral que coloca a vontade da coletividade, declarada em forma de lei, acima da vontade de cada cidadão. Desenvolva os critérios axiológicos em que a lei se inspirou, conjugando-os com os interesses em questão. Heck reconhece a real existência de lacunas, ocasião em que o juiz deve se entregar a uma tarefa de ordem axiológica. Essa nova postura ensejará o aparecimento da chamada Jurisprudência dos Valores, que tem em Larenz um de seus principais defensores.

2.8 O MOVIMENTO PARA O DIREITO LIVRE
Na esteira das críticas referentes às insuficiências da concepção metodológica tradicional adstrita ao formalismo, na Alemanha surge o Movimento para o Direito Livre. Não se trata de um grupo específico de pensadores, nem de uma teoria bem precisa. Consistia numa tendência ou atitude que assumiu formas diversas, dentre as quais a própria Jurisprudência dos Interesses. Contra o apego à tradição e ao conformismo manifesto em vários domínios: da arte à religião. O movimento para o Direito Livre tem seu marco na conferência apresentada por Eugen Ehrlich, na Alemanha em 1903, sobre “A luta pela ciência do direito”, quando defende a livre busca pelo direito em lugar da aplicação mecânica da vontade do legislador prevista na lei. Condicionam o litígio à ordem interna das associações humanas, assim como os valores que orientam a moral e os costumes. O direito não consiste nas disposições jurídicas, mas nas instituições jurídicas. Quem quer determinar quais são fontes do direito deve saber explicar como surgiram: Estado, Igreja, família, propriedade, contrato, herança e como eles se modificam e evoluem no decorrer do tempo. Por isso Ehrlich veio a ser considerado um dos precursores da sociologia do direito. Em 1906, mesmo ano em que a conferência de Ehrlich é publicada, surge o manifesto de Herman Kantorowicz por um Movimento do Direito Livre. Defende que nem todo direito se esgota no Estado; ao contrário, muito mais rico e legítimo é o direito brotado espontaneamente dos grupos e movimentos sociais, que ele chama de direito natural. Vontade e poder da sociedade. A ideia é que o juiz não seja apenas um especialista em leis, mas também tenha olhos para a sociedade, sabendo avaliar os fatos. A recusa ao dogma legalista que vê o direito como norma constituída em lei sem permitir ao interprete recorrer a argumentos de natureza extralegal. Procura resolver o problema provocado pelo distanciamento entre o direito estanque e a sociedade em movimento. A lei tornando-se retrógada por não acompanhar as transformações sociais, acaba por gerar instabilidade em lugar de segurança.

2.9 O RETORNO AO FORMALISMO COM HANS KELSEN
Os efeitos da genialidade de Hans Kelsen ainda se fazem sentir, em geral  relativa ao método de conhecimento jurídico refratário à questão damoral e da justiça. Teoria Pura do Direito como exemplo da contrução lógico-estruturaldo ordenamento jurídico até o momento. Questões da validade e vigência das normas – a teoria kelseniana ainda é bastante apropriada. Controle de constitucionalidade das leis que pressupõe a estrutura piramidal e escalonada da ordem jurídica, com a Constituição no seu ápice servindo de fundamento de validade a toda ordem, garantindo a unidade e a harmonia do sistema, apesar das críticas à proposta de Kelsen. Atualmente podemos distinguir os formalistas e os kelsenianos. Os primeiros privilegiam o que está escrito na lei validamente posta, sem qualquer indagação critico-valorativa. Os não-formalistas, por seu turno, reconhecem a interdisciplinaridade do direito, sem dispensarem seu caráter científico. Tratar teoricamente a interdisciplinaridade jurídica é uma tarefa difícil e árdua. Lembrando o momento histórico que se deu a criação da Teoria Pura do Direito, período de guerra pelo qual passava a Europa Ocidental, a ênfase dada ao nacionalismo. A Áustria, terra de Kelsen, assumiu uma postura de neutralidade diante das demais potências europeias após a primeira guerra. Joseph Kunz, discípulo de Kelsen, destaca a postura nitidamente universal dos austríacos – a Teoria Pura do Direito é necessário levar em conta que seu autor é austríaco, não somente de nascimento, mas também política, histórica e culturalmente, seu temperamento e sua visão de mundo é são de estirpe austríaca e vienense. Universalista – quase uma Sociedade das Nações. São liberais, democratas e individualistas. O único povo europeu que não é em absoluto nacionalista. Sob o ponto de vista filosófico, o pensamento de Kelsen é visto como influenciado ora pelo neokantismo sudocidental alemão, ora pelo neopositivismo do Circulo de Viena. Diz Miguel Reale: na segunda década daquele século o direito vivia num verdadeiro caos, a ciência jurídica era uma cidadela cercada por psicólogos, economistas, políticos e sociólogos, procurando transpor o muro da jurisprudência para torná-la sua, incluí-la em seus domínios.  Coube a Kelsen, professor da Universidade de Viena e juiz do Tribunal Constitucional austríaco, protestar a favor da dignidade científica do direito.  Segundo Guido Fassò,o incremento das doutrinas sociológicas não chegou a destruir o positivismo jurídico-formalista. Mas, apenas o teria chamado para um “exame de consciência”, no sentido de verificar a solidez de sua proposta básica formalista conceptual. O resultado deste movimento sociológico levou Kelsen a elaborar uma teoria do direito capaz de sustentar a sua própria juridicidade. Kelsen aproveita-se do elemento da coerção para distinguir a norma jurídica das outras espécies normativas, e da distinção kantiana entre ser e dever ser para diferenciar o direito do mundo da natureza. Como também distingue as relações causais próprias da natureza, constrói sua teoria normativa sobre a ideia de imputação. Distinguem, prescrição e descrição normativa, o objetivo é elevar a jurisprudência a um ideal de cientificidade – objetividade e exatidão, purificando-a de toda a ideologia política e de todos os elementos de ciência natural. A teoria pura do Direito é uma teoria do direito positivo em geral, não de uma ordem jurídica. A ciência jurídica – nome dado por Kelsen à ciência do direito – apenas descreve as prescrições contidas na norma jurídica. As ideias de Kelsen e Savigny, apesar de ambos se insurgirem contra o jusnaturalismo em favor de uma ordem positiva e concreta. Savigny não acredita na norma posta, preferindo identificar o verdadeiro e genuíno direito.  Todos os métodos de interpretação conduzem sempre a um resultado apenas possível, nunca a um resultado que seja único.

2.10 A JURISPRUDÊNCIA DOS VALORES
A Jurisprudência dos Valores tem como linda de força o neokantismo sudocidental alemão do início do século XX. Desse movimento participam filósofos como Rudolf Stammler, Wilhelm Windelband, Hinrich Rickert, Emil Lask e Gustav Radbruch. Entra em cena a ideia de valor que também alcança o direito. A Jurisprudência dos Valores ou Jurisprudência da Valoração trabalhará com as dicotomias valor/realidade, ser/dever ser, natureza/cultura, como campos distintos e sujeitos a formas também distintas de conhecimento. Entende-se cultura como o somatório de crenças e tradições transmitido de geração em geração, a ponto de gerar uma pauta de valores aceitos em determinada comunidade. Institui-se uma dicotomia cientifica conforme a consideração do objeto, distinção entre percepção e vontade, correspondendo a relação de causa e efeito, ciência da natureza (ciência causal) e relações de meio e fim – ciência final. Separa decididamente o mundo da vontade do da percepção e a faculdade de opção – fim não é senão um objeto a que se aspira alcançar, e meio, uma causa que se pode eleger. Para o neokantismo, o valor apresenta-se como um a priori que se pretende ver realizado na ação, o entendimento de Radbruch, um dos principais expoentes da Jurisprudência dos Valores. O direito é considerado um dado da experiência, um fenômeno cultural que não pode ser definido senão em função do justo, pois “o valor do direito é a justiça.” Rudolf Stammler defende a natureza axiológica da ordem jurídica com base na tese de que a mesma se sustenta sobre “a ideia de direito”. Não é de natureza lógica, mas de natureza teleológica ou axiológica, sua justificação metodológica não pode ser alcançado com os meios da lógica, mas através da recondução ao valor de justiça e ao princípio da igualdade nela compreendido.

2.11 “VONTADE DA LEI” E “VONTADE DO LEGISLADOR”

Na filosofia do direito da segunda metade do século XIX,em decorrência do historicismo alemão – polêmica entre teorias objetivista e subjetivista da interpretação, que prepondera ainda nos dias de hoje. Viés histórico característico do romantismo alemão procurava a individualidade e o espírito do autor da lei. Questiona-se sobre o que deve prevalecer em termos hermenêuticos: se a “vontade da lei” ou a “vontade do legislador”. O interprete ou aplicador da lei busca a vontade de quem fez a lei, ou a vontade que, de forma objetiva podemos extrair de seu texto? Como então entender hermenêutica jurídica? Como acreditava Savigny, há um único processo jurídico capaz de atualizar o direito, ele é visto como um dos fautores do subjetivismo jurídico concordante com o romantismo de sua época. Buscava a fidelidade dos institutos jurídicos oriundos do espírito do povo. Teoria objetivista, defensor da vontade da lei, que prevalece sobre a vontade do legislador. De outro lado a ideia de sistema jurídico coerente e harmônico de interpretação dá ênfase aos elementos teleológicos e axiológicos da ordem jurídica. Para Tercio Sampaio Ferraz Jr., a doutrina subjetivista sendo a ciência jurídica dogmática – dogma deriva da vontade do emissor da norma – seu compromisso é com a vontade do legislador. Interpretação ex tunc, desde o aparecimento da norma pela positivação da vontade do legislador. Ressalta o aspecto genético e as técnicas que lhes são apropriadas, como a do método histórico. O subjetivismo traduz uma concepção cultural e hermenêutica de cariz epistemologicamente positivista, os sentidos culturais seriam fenômenos psíquicos ou de redução psicológica, imputá-los seria perspectiva-los pelo processo da sua gênese histórico-psíquica, assim na ética, na lógica, na história, na filosofia, na hermenêutica e mesmo nas “ciências do espírito”, também o direito.