HERMENÊUTICA E ARGUMENTAÇÃO, Uma contribuição ao
Estudo do Direito. Margarida Maria Lacombe Camargo. Ed. Renovar, Rio de Janeiro
– São Paulo, 2003. 3ª edição, revista e atualizada.
Resumo do Capítulo 2, p.61/134 – O PENSAMENTO JUSFILOSÓFICO MODERNO: DA EXEGESE
À JURISPRUDÊNCIA DOS VALORES: Por Glauco Copeck dos Santos – Acadêmico do
Curso Bacharelado em Ciências Jurídicas – Faculdade Nobre de Feira de Santana
/BA. 3º Semestre: Disciplina Hermenêutica Jurídica.
Pensaram e escreveram sobre o direito no século
XIX. Na figura almejada de um legislador racional, criador de uma nova ordem, a
despeito dos costumes e da tradição. Thomas Hobbes centraliza no Soberano todas
as expectativas de segurança para a sociedade inglesa do século XVII. Soberano
absoluto composto pelas pessoas, seus corpos e mentes, como delegado inerente
de suas vontades. Estado se identifica numa mesma e única estrutura de poder.
Seguido mais de perto por Montesquieu e os Fouding
Fathers americanos. Como regra garante a igualdade (formal) entre os
homens. A manutenção da ordem fundada na liberdade individual. A norma justa
era aquela feita pelo povo, ainda que por meio de representantes eleitos, e que
cabia ser aplicada sem intermediações.
2.1. A ESCOLA DA EXEGESE
Ênfase do racionalismo surge na França, em 1804,
o Código Civil Francês, mais conhecido como o Código de Napoleão. A criação de
um corpo sistemático de normas capaz de uniformizar o direito, suprimindo a
obscuridade, ambiguidade. Formas espontâneas de expressão cultural – como movimento
doutrinário proveniente dos grandes comentaristas do novo código, surge a
Escola da Exegese. A atividade dos juízes, na França, então comprometidos com o
Antigo Regime, seria controlada pelo atendimento severo e restrito aos termos
da lei. Por intermédio da estrutura gramatical, e pelo conteúdo dos termos
técnicos, encontrar-se-ia a vontade do legislador reconhecida como a máxima
expressão da vontade geral que
encarna o poder. Não há mais incertezas; o direito está escrito nos textos
autênticos. Em nenhum momento o juiz deve colocar sua índole à mercê da
interpretação da lei de forma a desfigurar a verdadeira “vontade do
legislador”. Daí a célebre frase de Bugnet: “Eu não conheço o direito civil; eu
ensino somente o Código de Napoleão.” Julien Bonnecase, autor do livro L’Ecole de L’Exegése em Droit Civil,
divide em três os períodos desse movimento: primeiro, o período de formação,
que data de 1804 a 1830; em seguida, o seu apogeu – 1830 a 1880; o declínio,
verificado por volta de 1880. A doutrina da Escola da Exegese se reduz, com
efeito a proclamar a onipotência jurídica do legislador, isto é, do Estado. A
escola da exegese firmou a base teórica do racionalismo jurídico ocidental, a
partir do Código de Napoleão.
2.2 A CRÍTICA DE FRANÇOIS GÉNY
O artigo 4º do Código Civil francês, ao
determinar sobre a obrigação do juiz de julgar diante do silêncio, da
insuficiência ou da obscuridade da lei, encontramos a crítica de François Gény.
Que faz sua defesa pela livre investigação científica. A resposta para o problema
no sistema, o aplicador da lei poderia, por meio da atividade científica,
encontrar a solução jurídica para o caso fora do âmbito restrito da lei
positiva. Teoria das lacunas – certeza das relações humanas, considerando-as
produto da razão natural. O dado racional, segundo ele, é aquele constituído
por regras de conduta que a razão faz derivar da natureza do homem e do seu
contato com o mundo: seria o direito em estado bruto. Os dados ideais. Segundo
Gény: esforço científico, uma espécie de direito comum, geral por sua natureza,
subsidiário por seu ofício, que supre as lacunas das fontes formais e dirige
todo o movimento da vida jurídica. Cientificismo de base sociológica,
apresentado por Gény, conforma-se com o espírito positivista vigorante então na
França, terra de Augusto Comte.
2.3. A ESCOLA HISTÓRICA DO DIREITO
A Filosofia do Direito, na Alemanha, tem outras
bases. A filosofia historicista correspondia na prática a uma atitude
espiritual que recobria todos os campos da atividade humana. Na verdade o
historicismo - movimento de reação cultural contra a filosofia das luzes. O
predomínio da razão e seus poderes conferidos pelo Iluminismo, bem como a força
das deduções abstratas que daí advém o historicismo ceder lugar às verdades
oriundas de manifestações espontâneas e concretizadas sobre a realidade. O
século XIX experimentou para o romantismo, a imaginação e o sentimento, a
emoção e a sensibilidade, vem substituir a razão como centro de tudo. Modificar
a ordem natural das coisas, negando com isso o passado. O romantismo valoriza a
individualidade no que se refere aos sentimentos, crenças, paixões e
manifestações espontâneas de toda a ordem, vinculadas à tradição.
Diferentemente das abstrações intelectualistas da filosofia das luzes, o
desenvolvimento e a formação da sociedade não aparecem tanto para o
historicismo como para o romantismo como obra da razão, mas como produto
espontâneo de forças irracionais que poderiam ser identificadas com uma
racionalidade mais profunda, no sentido de ser concreta e real. Com valores de
ordem universal, passando a ser reconhecido como aquele que se realiza através
da história, conforme a criação espontânea de cada povo. Produto desse ambiente
cultural, século XIX, Escola Histórica do Direito, metódica para o Direito que
não o jusnaturalismo do século XVII e primeira metade do século XVIII.
Jurídico-filosófico, instituições históricas formadas pelo costume. A Alemanha
foi um dos países da Europa ocidental que mais retardou a obtenção de um Código
Civil, fragmentação político-territorial. Chamados de pandectistas interpretar as antigas leis romanas herdadas ao
Ocidente pelo Código de Justiniano, o Corpus
Iuris Civilis. Usus modernus
Pandectarum, procurava-se estabelecer uma consonância entrei a lei romana e
os costumes locais de origem germânica, buscando naquelas instituições
jurídicas ainda existentes. Isso gerou para a ciência do direito uma confusão
de conceitos e uma assistematicidade nos seus estudos. Foi o caso de Thibaut ,
cuja posição gerou disputa celebre com Savigny, nos idos de 1814. Thibaut era a
favor da criação de um código e Savigny contra. Sistemática e positivamente seu
estudo científico, realidade histórica, a razão que torna clara e precisa.
Savigny nos sentido de que a melhor forma para se “juntar”, vê o direito
codificado como expressão do despotismo, proveniente e imposto pela razão,
estranha aos costumes. Opõe-se com veemência às teses jurídicas da filosofia
das luzes, teoria do direito natural, imutável e universal – deduzido da razão.
Cada povo tem o seu próprio direito, fundado em elementos culturais como a
língua, os costumes e a religião. Como as teorias organicistas, o direito
também não se apresenta como algo imutável, se desenvolve com o povo: nasce,
cresce, e morre quando perde a sua personalidade. O legislador pode exprimir ou
integrar, não criar arbitrariamente. Savigny propõe, em lugar da codificação, a
elaboração científica do direito de base histórica – o instrumento apropriado
não seria o código, mas a ciência jurídica. A idéia de sistema proveniente do
jusnaturalismo e do racionalismo anteriores aliou-se também ao romantismo
alemão, originando as chamadas “ciências do espírito”. Juristas formulando e
reformulando antigos conceitos jurídicos. Para a busca de um método de
interpretação que dê conta de desta nova racionalidade. Segundo Savigny o
Direito não deveria ser visto como meras normas formuladas e positivadas.
Trata-se do celebre conceito de Volksgeist
– pura obra intelectual ou fruto do arbítrio, regulação da convivência humana.
Consciência jurídica unificadora e inata, verdadeira fonte do Direito e do
Estado. O pensamento de Savigny é que, ao invés de um direito espontâneo,
verificado naturalmente nas ações sociais, o que vale, ao final, é o que a
doutrina científica elabora. O pensamento elaborado pelos juristas e
professores, nas universidades, provocará o surgimento de um novo racionalismo
ou intelectualismo jurídico tão anti-histórico como o direito natural, mas que
move em plano diferente, o da lógica eda
dogmática jurídica. A doutrina determina porganhar posição superior à praxis,
conforme anota Legaz y Lacambra. Tercio Sampaio Feraz junior : A organicidade
[proposta pela Escola Histórica] não se refere a uma contigência real dos
fenomenos sociais, mas no carater complexo e produtivo do pensamento conceitual
da ciência jurídica elaborada pelos juristas desde o passado. O “espírito do
povo” acaba por merecer o esforço de interpretação dos intelectuais das
universidades. A organicidade dos conceitos, cujo poder de abstração permitirá
a subsunção dos fatos concretos, dará origem à
ciência do direito. “piramide dos conceitos” criada por Puchta, sob
regras da genealógicas de conceitos mais gerais e abstratos deduzem-se outros
mais específicos. Método de interpretação histórico-evolutivo, “vontade do
legislador”. Caberá ao interprete colocar-se no lugar do legislador, fruir em
si o espírito do povo. Ensina Savigny, correspondem ao elemento gramatical, lógico,
histórico e sistemático do direito. Como uma questão de ordem técnica, o importante
era mostrar aquilo que a lei dizia. Mas, após 1814, percebe-se que suas
concepções hermenêuticas tomam outro rumo, refere-se a uma teoria da
interpretação, o problema do critério metódico da interpretação verdadeira. A
ideia de que seria a convicção do povo o elemento primordial para a
interpretação das normas.
2.4 O FORMALISMO JURÍDICO NA ALEMANHA
Da Escola Histórica possuía lastro na atividade
dos pandectistas, um direito científico pra reelaborarem as antigas
instituições do direito romano mediante a extração de conceitos, poder de
abstração permitia serem aplicados em diferentes épocas e lugares. O método
lógico-sistemático, o direito como uma totalidade fechada em si mesma. O
cientificismo propugnado por Savigny resultará numa ideia de direito de cunho
racional-universal que ultrapassa fronteiras físicas e geográficas, as teorias
de Puchta e de Jhering. Espírito do Direito Romano, Jhering afirma que a
ciência do direito é universal, e que os juristas de todos os países e de todas
as épocas falam a mesma língua. Mediante operação lógico-indutiva e lógico-dedutiva:
por indução chega-se aos princípios, para depois, por dedução, descer às suas
ramificações múltiplas. Jurisprudências dos Conceitos, o papel da ciência
jurídica é o de verificar como suas proposições encontram-se reciprocamente
condicionadas, por meio de um processo de derivação que remota à genealogia de
cada uma. Parte superior da figura de uma pirâmide capaz de conter e dar origem
a outros conceitos de menor alcance, numa união total, perfeita e acabada, que
o direito alcançou o seu maior grau de abstração e autonomia como campo de
conhecimento. Alto grau de racionalidade deu origem ao “dogma da subsunção” o
direito como o fruto de um desdobramento lógico-dedutivo entre premissas capazes
de gerar por si sós uma conclusão que servisse de juízo concreto para cada
decisão. Como o da livre Interpretação do Direito. Tarefa dos juristas na
Alemanha que levou a formação da ciência jurídica no sentido de uma teoria
autônoma do direito vigente. “espírito do povo” defendido pelos historicistas,
indeterminado e quase mitológico, apriorística. Guido Fassò – o positivismo
jurídico se afirmou no século XIX pela via do historicismo.
2.5 POSITIVISMO JURÍDICO
O formalismo jurídico encontra respaldo no
naturalismo típico da filosofia das luzes e na filosofia positivista. “ciências
naturais” mediante a adoção do método empírico, enquanto a filosofia
positivista privilegiava os fatos sociais. Investigação empirista, Guido Fassò
acredita que o positivismo correspondia mais a um modo de pensar do que a uma
doutrina específica; negava qualquer metafísica. Enquanto filosofia, o
positivismo não busca um conhecimento universal ou absoluto, mas um
conhecimento “geral”. Ciência positiva da sociedade vista como única capaz de
abranger toda a gama de fenômenos, fundamentando-se, exclusivamente, na
observação dos fatos, fora de toda ideologia metafísica. Fassò interpreta que,
para o direito, isso significará a busca de um elo de conexão entre os fatos
sociais e o direito, independentemente de quaisquer valores de ordem moral.
Para o mesmo autor, a mais autêntica aplicação do método positivista no campo
do direito deu-se com a pesquisa histórica – Escola Histórica do Direito na
Alemanha. Apesar de os partidários da filosofia positivista, como Augusto
Comte, não terem demonstrado nenhum interesse especial pelo direito, os
juristas passaram a se perguntar se a jurisprudência era ou não uma ciência,
sob a influência do positivismo não faltou a criação de um método próprio para
o direito, de caráter objetivo, cujo conhecimento fosse possível mediante a
manipulação de leis próprias ao seu objetivo. Verifica-se entre os fatos
observados os “tempos positivistas”. Do século XIX, o direito consegue
firmar-se como ciência nos moldes positivistas. Apenas com a genialidade de
Hans Kelsen, no início do século seguinte, teremos uma ciência do direito de
impressão francamente positivista. O positivismo jurídico não seguiu a
tendência sociológica apontada por Augusto Comte. Firmou-se muito mais sobre as
bases do formalismo, teoria objetiva do direito importava mais o conjunto de
normas postas pelo Estado. Através de suas autoridades do que realidade social
propriamente dita, a vontade do Estado soberano prevalece, assim sobre a
vontade difusa da nação. O direito positivo passa a reconhecer-se no
ordenamento jurídico posto e garantido pelo estado. Atualmente define-se
direito positivo como contraponto do direito natural. O direito natural é o que
conhecemos através da razão. Assim, bom é aquilo que o Estado prescreve como
conduta obrigatória. Enquanto o direito natural é bom ou mau em si mesmo,
independentemente da vontade do legislador. Kelsen não admitirá a criação do
direito por meio da elaboração de conceitos jurídicos, limitando-se ao se
encontra prescrito em lei. A dogmática jurídica acabará por ensejar a
elaboração de conceitos gerais, que formulem e circunscreva o campo de atuação
do direito. Teoria Geral do Direito,
cuja base formal segue a Jurisprudência dos Costumes.
2.6 A CRÍTICA DE JHERING AO FORMALISMO JURÍDICO
ALEMANHÃO
Europa de Finais do Século XIX, a evolução
social, científica e tecnologia. Verificada em alguns casos dos seus países
gerou novas demandas e complexas relações socioeconômicas. Reação ao
positivismo jurídico-formalista. Rudolf Von Jhering, um dos principais teóricos
da Jurisprudência dos Conceitos – método lógico-dedutivo e ao formalismo
jurídico, pelo seu alto grau de abstração. No livro A luta pelo direito, como
resultado de ideias que defendia, mostra o direito como uma vivência que deve
ser assumida tanto pela parte de quem o aplica, o Estado, quanto por quem o
postula na qualidade de interessado. O direito é na realidade uma luta, esforço
animado pelo espírito prático que subjaz à sua própria realização. Antes a
promoção do estado de espírito em que este há de buscar sua energia vital, e
que é o que conduz à atuação firme e corajosa do sentimento de justiça. O
direito em movimento, Jhering é a luta concreta, posto o objetivo mais o
subjetivo. A ideia da direito como práxis, a finalidade, razão de um fim, são
sinônimos. Em lugar de conceitos obtidos de normas e instituições jurídicas,
por força lógicas. Para a Jurisprudência dos interesses, Jhering repudia o
positivismo jurídico, apreciação dos fenômenos naturais com os sociais. Método
realista ou teleológico, formalismo exegético.
2.7 A JURISPRUDÊNCIA DOS INTERESSES
A Jurisprudência dos interesses procura
suplantar a lógica formal pelo estudo e pela avaliação da vida, ou seja, pela
pragmática. De Jhering, Heck incorpora não só a ideia de direito como prática,
analisando-o como “função judicial” mas também a ideia de fim como interesse. O
direito não é criado por conceitos, mas por fins e valores cuja realização se
persegue. Heck atribui a esses fins a qualidade de comandos jurídicos, com base
na necessidade ou no interesse. A atividade do juiz estaria direcionada para a
composição dos interesses das partes em conflito. A Jurisprudência dos
Interesses nega-se ao confiar ao juiz a mera função do conhecimento e subsunção
entre a lei e o fato, propugnando a adequação da decisão às necessidades
práticas da vida, mediante os interesses em pauta. As leis apresentam-se como
resultante dos interesses materiais, nacionais, religiosos e éticos, em luta
pelo predomínio de uns sobre os outros. A atividade do juiz é criadora, à
proporção que procura conjugar os interesses postos na lei, pelo legislador. A
lei é chamada a ser aplicada, ao que se soma o conteúdo emocional do juiz com o
seu sentimento de justiça. Heck chama
sua teoria da interpretação de “teoria histórico-objetiva”. Recupera a
“jurisprudência pragmática” de Jhering, os meios oferecidos pela sociologia, as
técnicas sociológicas investiriam em duas direções: a primeira, verificando os
interesses protegidos na lei. O direito, para ele, significa então tutela de
interesses: tanto interesses de ordem geral, protegidos pela lei, quanto
individuais, protegidos pela sentença (norma individual). Sob a influência do positivismo filosófico, a
interpretação da lei é, sobretudo “explicitação de causas”. Notamos que esse
procedimento faz-se por meio de um processo de valoração, que ensejará um novo aproach filosófico-doutrinário. A
Crítica dos neo-hegelianos (dentre os quais Larenz) deu-se em primeiro lugar,
com relação ao substrato filosófico positivista que reconhecia apenas uma
realidade empírico-sociológica. Por outro lado, ao desconsiderar a orientação
científico-espiritual voltada para o “espírito objetivo” – a Jurisprudência dos
Interesses fazia revigorar o positivismo, que circunscrevia a decisão do juiz
ao estrito conteúdo da lei. Outra crítica refere-se à ideologia liberal
individualista da Jurisprudência dos Interesses. Dando ensejo à futura
jurisprudência da valoração. O juiz está subordinado à lei, a comunidade
jurídica organizada em Estado é soberana e autônoma, não só externamente, mas
também internamente, nas suas relações com os tribunais. É o resultado dum
princípio constitucional, dum juízo de valor geral que coloca a vontade da
coletividade, declarada em forma de lei, acima da vontade de cada cidadão.
Desenvolva os critérios axiológicos em que a lei se inspirou, conjugando-os com
os interesses em questão. Heck reconhece a real existência de lacunas, ocasião
em que o juiz deve se entregar a uma tarefa de ordem axiológica. Essa nova
postura ensejará o aparecimento da chamada Jurisprudência dos Valores, que tem
em Larenz um de seus principais defensores.
2.8 O MOVIMENTO PARA O DIREITO LIVRE
Na esteira das críticas referentes às
insuficiências da concepção metodológica tradicional adstrita ao formalismo, na
Alemanha surge o Movimento para o Direito Livre. Não se trata de um grupo
específico de pensadores, nem de uma teoria bem precisa. Consistia numa
tendência ou atitude que assumiu formas diversas, dentre as quais a própria
Jurisprudência dos Interesses. Contra o apego à tradição e ao conformismo
manifesto em vários domínios: da arte à religião. O movimento para o Direito
Livre tem seu marco na conferência apresentada por Eugen Ehrlich, na Alemanha
em 1903, sobre “A luta pela ciência do direito”, quando defende a livre busca
pelo direito em lugar da aplicação mecânica da vontade do legislador prevista
na lei. Condicionam o litígio à ordem interna das associações humanas, assim
como os valores que orientam a moral e os costumes. O direito não consiste nas
disposições jurídicas, mas nas instituições jurídicas. Quem quer determinar
quais são fontes do direito deve saber explicar como surgiram: Estado, Igreja,
família, propriedade, contrato, herança e como eles se modificam e evoluem no
decorrer do tempo. Por isso Ehrlich veio a ser considerado um dos precursores
da sociologia do direito. Em 1906, mesmo ano em que a conferência de Ehrlich é
publicada, surge o manifesto de Herman Kantorowicz por um Movimento do Direito
Livre. Defende que nem todo direito se esgota no Estado; ao contrário, muito
mais rico e legítimo é o direito brotado espontaneamente dos grupos e
movimentos sociais, que ele chama de direito natural. Vontade e poder da sociedade.
A ideia é que o juiz não seja apenas um especialista em leis, mas também tenha
olhos para a sociedade, sabendo avaliar os fatos. A recusa ao dogma legalista
que vê o direito como norma constituída em lei sem permitir ao interprete
recorrer a argumentos de natureza extralegal. Procura resolver o problema
provocado pelo distanciamento entre o direito estanque e a sociedade em
movimento. A lei tornando-se retrógada por não acompanhar as transformações
sociais, acaba por gerar instabilidade em lugar de segurança.
2.9 O RETORNO AO FORMALISMO COM HANS KELSEN
Os efeitos da genialidade de Hans Kelsen ainda
se fazem sentir, em geral relativa ao
método de conhecimento jurídico refratário à questão damoral e da justiça.
Teoria Pura do Direito como exemplo da contrução lógico-estruturaldo
ordenamento jurídico até o momento. Questões da validade e vigência das normas
– a teoria kelseniana ainda é bastante apropriada. Controle de
constitucionalidade das leis que pressupõe a estrutura piramidal e escalonada
da ordem jurídica, com a Constituição no seu ápice servindo de fundamento de
validade a toda ordem, garantindo a unidade e a harmonia do sistema, apesar das
críticas à proposta de Kelsen. Atualmente podemos distinguir os formalistas e
os kelsenianos. Os primeiros privilegiam o que está escrito na lei validamente
posta, sem qualquer indagação critico-valorativa. Os não-formalistas, por seu
turno, reconhecem a interdisciplinaridade do direito, sem dispensarem seu
caráter científico. Tratar teoricamente a interdisciplinaridade jurídica é uma
tarefa difícil e árdua. Lembrando o momento histórico que se deu a criação da
Teoria Pura do Direito, período de guerra pelo qual passava a Europa Ocidental,
a ênfase dada ao nacionalismo. A Áustria, terra de Kelsen, assumiu uma postura
de neutralidade diante das demais potências europeias após a primeira guerra.
Joseph Kunz, discípulo de Kelsen, destaca a postura nitidamente universal dos
austríacos – a Teoria Pura do Direito é necessário levar em conta que seu autor
é austríaco, não somente de nascimento, mas também política, histórica e
culturalmente, seu temperamento e sua visão de mundo é são de estirpe austríaca
e vienense. Universalista – quase uma Sociedade das Nações. São liberais,
democratas e individualistas. O único povo europeu que não é em absoluto
nacionalista. Sob o ponto de vista filosófico, o pensamento de Kelsen é visto
como influenciado ora pelo neokantismo sudocidental alemão, ora pelo
neopositivismo do Circulo de Viena. Diz Miguel Reale: na segunda década daquele
século o direito vivia num verdadeiro caos, a ciência jurídica era uma cidadela
cercada por psicólogos, economistas, políticos e sociólogos, procurando
transpor o muro da jurisprudência para torná-la sua, incluí-la em seus
domínios. Coube a Kelsen, professor da
Universidade de Viena e juiz do Tribunal Constitucional austríaco, protestar a
favor da dignidade científica do direito.
Segundo Guido Fassò,o incremento das doutrinas sociológicas não chegou a
destruir o positivismo jurídico-formalista. Mas, apenas o teria chamado para um
“exame de consciência”, no sentido de verificar a solidez de sua proposta
básica formalista conceptual. O resultado deste movimento sociológico levou
Kelsen a elaborar uma teoria do direito capaz de sustentar a sua própria juridicidade.
Kelsen aproveita-se do elemento da coerção para distinguir a norma jurídica das
outras espécies normativas, e da distinção kantiana entre ser e dever ser para
diferenciar o direito do mundo da natureza. Como também distingue as relações
causais próprias da natureza, constrói sua teoria normativa sobre a ideia de
imputação. Distinguem, prescrição e descrição normativa, o objetivo é elevar a
jurisprudência a um ideal de cientificidade – objetividade e exatidão,
purificando-a de toda a ideologia política e de todos os elementos de ciência
natural. A teoria pura do Direito é uma teoria do direito positivo em geral,
não de uma ordem jurídica. A ciência jurídica – nome dado por Kelsen à ciência
do direito – apenas descreve as prescrições contidas na norma jurídica. As
ideias de Kelsen e Savigny, apesar de ambos se insurgirem contra o
jusnaturalismo em favor de uma ordem positiva e concreta. Savigny não acredita
na norma posta, preferindo identificar o verdadeiro e genuíno direito. Todos os métodos de interpretação conduzem
sempre a um resultado apenas possível, nunca a um resultado que seja único.
2.10 A JURISPRUDÊNCIA DOS VALORES
A Jurisprudência dos Valores tem como linda de
força o neokantismo sudocidental alemão do início do século XX. Desse movimento
participam filósofos como Rudolf Stammler, Wilhelm Windelband, Hinrich Rickert,
Emil Lask e Gustav Radbruch. Entra em cena a ideia de valor que também alcança
o direito. A Jurisprudência dos Valores ou Jurisprudência da Valoração
trabalhará com as dicotomias valor/realidade, ser/dever ser, natureza/cultura,
como campos distintos e sujeitos a formas também distintas de conhecimento.
Entende-se cultura como o somatório de crenças e tradições transmitido de
geração em geração, a ponto de gerar uma pauta de valores aceitos em
determinada comunidade. Institui-se uma dicotomia cientifica conforme a
consideração do objeto, distinção entre percepção e vontade, correspondendo a
relação de causa e efeito, ciência da natureza (ciência causal) e relações de
meio e fim – ciência final. Separa decididamente o mundo da vontade do da
percepção e a faculdade de opção – fim não é senão um objeto a que se aspira
alcançar, e meio, uma causa que se pode eleger. Para o neokantismo, o valor
apresenta-se como um a priori que se pretende ver realizado na ação, o
entendimento de Radbruch, um dos principais expoentes da Jurisprudência dos
Valores. O direito é considerado um dado da experiência, um fenômeno cultural
que não pode ser definido senão em função do justo, pois “o valor do direito é
a justiça.” Rudolf Stammler defende a natureza axiológica da ordem jurídica com
base na tese de que a mesma se sustenta sobre “a ideia de direito”. Não é de
natureza lógica, mas de natureza teleológica ou axiológica, sua justificação
metodológica não pode ser alcançado com os meios da lógica, mas através da
recondução ao valor de justiça e ao princípio da igualdade nela compreendido.
2.11 “VONTADE DA LEI” E “VONTADE DO LEGISLADOR”
Na filosofia do direito da segunda metade do
século XIX,em decorrência do historicismo alemão – polêmica entre teorias
objetivista e subjetivista da interpretação, que prepondera ainda nos dias de
hoje. Viés histórico característico do romantismo alemão procurava a
individualidade e o espírito do autor da lei. Questiona-se sobre o que deve
prevalecer em termos hermenêuticos: se a “vontade da lei” ou a “vontade do
legislador”. O interprete ou aplicador da lei busca a vontade de quem fez a
lei, ou a vontade que, de forma objetiva podemos extrair de seu texto? Como
então entender hermenêutica jurídica? Como acreditava Savigny, há um único
processo jurídico capaz de atualizar o direito, ele é visto como um dos
fautores do subjetivismo jurídico concordante com o romantismo de sua época.
Buscava a fidelidade dos institutos jurídicos oriundos do espírito do povo.
Teoria objetivista, defensor da vontade da lei, que prevalece sobre a vontade
do legislador. De outro lado a ideia de sistema jurídico coerente e harmônico
de interpretação dá ênfase aos elementos teleológicos e axiológicos da ordem
jurídica. Para Tercio Sampaio Ferraz Jr., a doutrina subjetivista sendo a
ciência jurídica dogmática – dogma deriva da vontade do emissor da norma – seu
compromisso é com a vontade do legislador. Interpretação ex tunc, desde o
aparecimento da norma pela positivação da vontade do legislador. Ressalta o
aspecto genético e as técnicas que lhes são apropriadas, como a do método
histórico. O subjetivismo traduz uma concepção cultural e hermenêutica de cariz
epistemologicamente positivista, os sentidos culturais seriam fenômenos
psíquicos ou de redução psicológica, imputá-los seria perspectiva-los pelo
processo da sua gênese histórico-psíquica, assim na ética, na lógica, na
história, na filosofia, na hermenêutica e mesmo nas “ciências do espírito”, também
o direito.